
Com frequência essa visão de missão
jogava as Igrejas numa concorrência desleal. Cada Igreja enviava seus
missionários e suas missionárias, para fortalecer sua presença com várias
obras, sobretudo a serviço dos mais necessitados (escolas, hospitais,
orfanatos, colégios). A Igreja Católica, por sua rica tradição de intensa
espiritualidade e de generosa caridade, e por dispor de inúmeros missionários
(as) destemidos, totalmente consagrados ao crescimento da Igreja, avançou muito
nos lugares ditos “de missão”. Falava-se de “implantar a Igreja”, com novos
batizados, com organização territorial (paróquias, dioceses), com obras
sociais, e com a criação do clero local (padres e bispos). Mas a relação
profunda entre missão e Deus e missão da Igreja praticamente não existia,
algumas vozes isoladas a lembravam, mas sem impacto na vida das Igrejas.

Essa dura situação provocou
questionamentos sérios entre os participantes da Conferência Missionária de
Willingen. Muitos se perguntavam: que Igrejas são essas se muitos de seus
líderes se calaram diante de massacres absurdos? Onde está a missão das
Igrejas? Os questionamentos levaram a descobrir que as Igrejas não podem
inventar a missão, não são donas da missão. Antes e acima das Igrejas está o
Senhor. E aí voltou a intuição de Barth: a missão vem de Deus, brota do coração
da Trindade Santa. Antes da missão das Igrejas está a missão de Deus. Antes de
falar da missão da Igreja é preciso conhecer a missão de Deus. Ficou mais claro
que a missão faz parte da natureza de Deus.
A descoberta da missão de Deus, fonte
geradora da missão das Igrejas, foi muito importante. Aliás, durante e após a
Conferência de Willingen, o entusiasmo pela missão de Deus foi tão grande que
alguns – baseando-se em Mateus 24,14 chegaram a considerar desnecessário o
envolvimento das Igrejas na missão de Deus. Deus iria realizar a sua missão de
qualquer jeito, sem depender das Igrejas. Outros, porém, contestaram afirmando
que a missão de Deus exige a ação missionária das Igrejas. Foram intuições e
descobertas significativas, mas não chegaram a questionar o cotidiano da vida
das Igrejas.
Dez anos depois, no Concílio Ecumênico Vaticano II, a intuição da Missão de Deus voltou, para iluminar o caminho da
Igreja Católica no mundo. No bom clima do Concílio foram surgindo convicções
importantes: a Igreja está a serviço da missão de Deus, existe para isso, só
para isso. Ficou mais clara a relação entre missão de Deus e missão da Igreja.
Essas redescobertas abriram novos caminhos para a espiritualidade missionária,
definiram melhor o papel da Igreja Católica no mundo. Não foi fácil, foi um dos
assuntos mais debatidos do Concílio (07/12/1965), que leva o título “Sobre a
atividade missionária da Igreja" (Ad Gentes). Impressionou a aprovação
praticamente unânime dos bispos presentes no Concílio.
O fundamento teológico do Decreto é
claro: a missão nasce do coração da Trindade. A missão de Deus é salvar toda a
humanidade. Esta missão de Deus se revelou plenamente na missão de Jesus de
Nazaré, o Cristo: “Deus amou de tal forma o mundo, que entregou seu Filho
único, para que todo o que nele acredita não morra, mas tenha a vida eterna”
(Jo 3,16). A missão da Trindade Santa, plenamente revelada na missão de Jesus,
passou a ser o referencial indispensável da missão da Igreja no mundo (ver Ad Gentes, capítulo 1).
O decreto conciliar influenciou
positivamente a vida da Igreja, porém, podia e devia ser bem mais, hoje também.
A missão de Deus ainda não marca a organização e as estrutura das Igrejas, com
consequências muito negativas, inclusive a divisão e a falta de testemunho. Estruturas e mentalidades
amarradas sufocam o sopro inovador e fecundo do Espírito Santo.
Na América Latina, o decreto conciliar
iluminou as quatro Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano que
vieram depois (especialmente Medellín em 1968 e Aparecida em 2007). Mas, mesmo
com todos esses passos, a missão de Deus não é, de fato, a fonte inspiradora e
permanente da missão das dioceses, paróquias, comunidades e movimentos
eclesiais. Perguntamo-nos: a liturgia, com seus ritos, símbolos, homilias,
revela a missão de Deus? Nas assembleias pastorais, antes de tomar decisões
importantes, ouve-se a pergunta: Com essa decisão, estamos na linha da missão
de Deus? E nos discernimentos da vida pessoal leva-se suficientemente em conta
a fidelidade à missão de Deus? Parece mesmo que a missão de Deus ainda não
entrou na pastoral cotidiana, ficou mais nos documentos.
Do livro A vida e missão do Pe. luis Mosconi - 2012 - imagens da internet
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